terça-feira, 12 de março de 2019


Coragem e maturidade para enfrentar os bancos de sala de aula ao atingir a “segunda” melhor idade.

No meio de tantas perdas e danos sentimentais, resolvi voltar a estudar, realizar um sonho que estava escondido,  mas que resgatei com o apoio incondicional do meu marido e da minha filha, eu sabia que não seria fácil, afinal iria passar de docente para discente e estudar com colegas com menos da idade de uma das minhas pernas, seria cômico senão fosse tão trágico o meu início.
De repente me vi entre 60 alunos que se dividiam da seguinte forma, os recém saídos do ensino médio 80% os que estavam estacionados  entre 28 a 35 anos 10% e os idosos, velhões, sem graça, chatos, sabe tudo, acima dos 40 anos 10% o qual eu faço parte, exatamente assim, era o que os demais me transmitiam nos olhares de desconfortos e desconfiados, principalmente porque eu também lecionava na mesma instituição, só que em outro curso.
Nada foi fácil, a matéria era muito complicada, o estudo exigia muitas leituras, extremamente complexo que nos exigia a máxima atenção, que infelizmente não conseguíamos porque as conversas paralelas eram insuportáveis, um zum zum zum irritante, com assuntos que não tinham nada a ver com a matéria apresentada, neste momento eu não conseguia olhar para os “meus colegas” como aluna, eu já queria mandar prestar atenção, mas tinha que me conter, afinal eu não estava ocupando o lugar de autoridade máxima em sala de aula, e quem o estava ocupando, muitos deles eram advogados, juízes, delegados ou defensores, não fizeram curso de licenciatura plena e formação de professor, então como o professor em questão não tinha tal conhecimento, logo não sabia como administrar a situação, que para muitos se tornam embaraçosas, tive que engolir por muitas mais muitas vezes mesmo minha vontade absurda de pedir a gentileza de prestarem atenção ou que se retirassem para não incomodar os demais que ali estavam bancando “sozinhos” um curso onde teriam a possibilidade de agregar algum conhecimento e valor e diga-se de passagem caríssimo.
E, assim consegui sobreviver a primeira semana de aula, eis que, acabei pulando uma parte da minha estória, o motivo que me levou a voltar a estudar, vou tentar resumir. Em setembro de 2013 eu descobri um câncer (Melanoma) no meu joelho, já estava com aproximadamente 9 meses do aparecimento da mancha (um sangue parado do tamanho de uma unha do dedão da mão) que segundo o Dr Leandro Ribeiro – oncologista do IOP, este tipo de câncer mata em um ano de existência, bom, mas consegui diagnosticar em tempo e graças a Deus recebi uma nova oportunidade de viver, em novembro do mesmo ano eu perdi uma prima amada aos 40 anos com câncer de mama, e no mês de dezembro eu perdi uma parte de mim, meu pai amado que sempre teve o sonho de ter um dos filhos Doutor, estava caindo numa depressão, chorava muito porque só quem perdeu sabe o vazio que nos deixa, o buraco que se abre no coração, uma dor, a famosa dor na alma, foi aí que em janeiro do ano seguinte eu passei pela instituição e avistei de longe uma faixa  que dizia que ainda dava tempo para quem quisesse fazer o vestibular de verão, fui pra casa, porém antes passei no cemitério para chorar um pouco diante daquele que eu nunca mais o veria em vida, após uma oração, fui pra casa e conversei com a minha família, como disse acima, fui motivada a entrar na faculdade para ocupar as minhas noites de tristezas e realizar um sonho, sonho este que não era só meu.
Quando em uma conversa solta com o coordenador do curso eu perguntei se havia previsão do elevador funcionar, mas jamais pedi para mudar de sala quiçá de prédio, mas imaginem o que aconteceu?????? Exatamente, no outro dia mudamos de sala e de prédio, sim eu disse de prédio, saímos do novinho bloco do curso de Direito para estudar em salas do curso de Administração, como assim rsrsrs (zoeira) imagina o que tive que escutar dos meus “nobres coleguinhas”, pra muitos foi um constrangimento ter que mudar de “prédio” afinal de contas aluno de Direito “caga cheiroso” é bem diferente dos demais seres do mundo, a situação foi tão chata e tão constrangedora que me obrigaram a levar na secretaria meus laudos, biopsia e recomendação da fisioterapeuta quanto ao uso de escadas, sabem aquela série “Todo mundo odeia o Chris” então, era eu rsrs., fui pedir desculpas na sala e dizer que eu não havia solicitado nada, porém foi em vão, me deixaram falar sozinha.
Foi aí a primeira vez que pensei em desistir, cheguei em casa chorando, arrasada e me perguntado, o que estava fazendo alí?
Tem necessidade?
 Já não tem cursos os suficiente?
 Pra que mais uma titulação se nem sei quanto tempo eu tenho de vida?
Fui no outro dia decidida a cancelar meu contrato, mas resolvi me despedir de alguns colegas que fiz, eis que entra um ser lindo e iluminado e me pergunta se eu era a pessoa que foram pedir para mudar de sala ou de turno, eu disse que sim, mas que não se preocupasse porque eu já tinha me decidido a encerrar meu curso, na mesma hora ele foi na frente da sala e deu uma aula de constitucionalidade e cidadania, e de quebra um baita puxão de orelha nos meus “coleguinhas”, primeiro obstáculo, vencido.
No decorrer dos anos, descobri que tudo que eu falava logo era visto com desdém, nunca me chamavam para grupos, e quando eram obrigados me colocavam para falar ou pra pesquisar quase que sozinha, se eu faltasse ninguém me passava o conteúdo perdido, nossa eu tinha que estudar sempre mais e mais, e sem tempo, porque neste período eu era gestora de RH, professora das aulas de pós graduação, mãe, esposa, dona de casa e treinava musculação, a verdadeira 6 em 1, mas quase nunca faltei, porque eu sempre gostei de prestar atenção nas aulas, ali eu viajava num universo paralelo, tinha um professor que amava tanto o direito que, em uma de suas férias ele passou dentro de uma museu pesquisando a história do Direito, era uma aula sublime, não utilizava nenhum equipamento de mídia, só ele e ele, e tornava nossas aulas um espaço teatral com suas vivencias e das suas viagem ao mundo Romano até os dias atuais, seus olhos brilhavam a cada aula ministrada, sim, porque ele era um dos poucos que faziam todos se calarem, só pra prestarem atenção nos seus conhecimentos.
Mas como nada é pra sempre, ele nos deixou e a instituição perdeu um grande Mestre, neste primeiro ano conseguimos nos reunir em um churrasco, foi bem legal com várias “panelinhas”, tinha os que não tinham autorização para beber dos pais, e também aqueles que estavam aprendendo a fumar, muito engraçado, o interessante é que você se vê neles a tempos remotos kkkk
 Tive o prazer de conhecer mais sobre o Direito Penal com um professor que amava sua profissão de Delegado Federal, uma pessoa que sabia transmitir e explicar de uma forma tão simples o que eu achava impossível de se aprender nos livros, deixava todos curiosos com suas estórias da vida real de um Delegado de policia, suas piadas e personagens que ele inventava para enaltecer e enriquecer suas aulas eram fundamentais para esclarecer muitos fatos do cotidiano, garanto que ele conseguiu aguçar a vontade de muitos em se tornar um Delegado.
Dois anos se passaram, neste momento eu já tinha feito um grupo seleto de colegas, sempre dei atenção a todos quando me solicitavam algo, principalmente carona, rsrrsrs alias era só em dias de chuva ou frio que me sentia útil rsrs até que não achava ruim, fiz bastante contato, me tornei confidente e mãezona.
Também tive várias decepções com alguns colegas, por exemplo quando teve trabalho em sala de aula e ninguém me avisou, quando não me defenderam ,quando eu fui trocada de parceira no dia da prova, mas, são situações que mesmo estando com 46 anos, onde você pensa que já não fica magoado por nada e ainda sim sofremos.
Alguns professores realmente fizeram a diferença ao repassar tanto conteúdo interessante de uma forma singular, outros nem tanto, alguns só passaram,  aulas maçantes cansativas, exaustivas, de difícil entendimento, não sabiam manipular as mídias, nada criativos, falavam pra dentro e odiavam que fossem questionados, o pior era nos dias de provas, faziam provas com duplo sentido, ou provas capciosas, alguns não queriam formadores de opinião, tínhamos que escrever exatamente o que ele nos passou nos questionários SIM EU QUESTIONÁRIO kkkk tive que viver pra ver isso, ou nos slids, pasmem, ainda existe “professores” que agem como na época dos Jesuitas, imaginem a minha situação em vivenciar tudo isso sem poder me manifestar, porque agora eu era aluna, ahhh !!!!!!!!! como foi difícil aguentar tanta falta de didática de ensino, quanta coisa e tive que respirar fundo pra não sair falando poucas e boas... Ops, eu fiz e falei poucas e boas, sim não aguentei e explodi num ápice de constrangimento e pressão psicológica fiz algo que não deve servir de exemplo pra ninguém... por isso já esqueci, pedi desculpas e prefiro não comentar, mas EU FIZ.
É, foi complicado, dias turbulentos,  noites truncadas, provas, seminários, artigos, audiências, juris, requer tempo e disposição, neste momento do curso o corpo exige um suplemento alimentar porque a exaustão está cada vez mais visível, cada feriado é esperado com sangue nos olhos, que delícia fazer os apagões, os “chopps nossos de toda quinta feira” os corredores, o “fumódromo”, os passeios, as risadas nervosas após as provas, a vibração quando se conseguia atingir a média, (sim, eu só almejava a média), vale a velha máxima: "Faculdade é tudo de bom, o ruim são as aulas", mas os colegas e corredores são ótimos.
Muitas coisas boas aconteceram, assim como muitas coisas chatas, como, saber o que falar, onde e como, porque você é analisada a cada passo, a torcida do contra continua ali firme e forte para você desistir, principalmente após discussão com o “profe colírio dos olhos” para muitos, símbolo de espelho para o futuro...ai ai #SQN, não digo nada, mas ficarei de “butuca” só para ver a decepção quando a maturidade vier e perceberem o quanto idiotas foram.
Lembranças boas, da melhor época da vida de um acadêmico, o enriquecimento cultural nos permite melhor entendimentos antes tão sombrios, hoje nos soa leve e de fácil aceitação, alguns repugnantes outros até benevolentes demais, ter conhecimento quanto aos nossos direitos e deveres nos dá mais segurança e também maior respaldo.
Ali também recebi o apoio na hora que mais precisei, um momento muito doloroso ao saber que quase perdi minha única e amada filha, eu sei que da minha sala eu recebi muitas orações até mesmo de quem não gostava tanto de mim, eu sentia a energia chegando ate as coisas acalmarem por completo, assim como eu, vários passaram por momentos tenebrosos em suas vidas, perderam seus entes queridos, sofreram com as dificuldades dos seus países de origem, ficaram acamados, perderam seus empregos, alguns emagreceram, outros engordaram, outros emagrecerem e depois engordaram novamente, outras colocaram peito, outras colocaram bunda, quanta mudança sofremos,    por mais que existisse as diferenças entre todos, religião, gênero, credos, raças, o respeito sempre prevaleceu.
No quarto ano as coisas mudaram muito, os jovens do inicio que iam estudar de skate ou de barba por fazer, hoje são responsáveis e chefes de família, as meninas chatinhas e sem conteúdo do início hoje são moças responsáveis com seus trabalhos e estudiosas, todos com sonhos que conseguirão atingir em médio ou longo prazo, porque fazem parte de uma geração que tem garra e determinação.
De repente descubro que dentro da minha equipe, formou-se outra equipe, e claro, eu era a excluída,  talvez porque sou sincera demais e falo tudo o que eu acho ser preciso, porém este meu “jeitinho meigo de falar” a verdade e na presença de todos (coisa que a idade faz com você) muitas vezes me afastam, porque a maturidade não chegou a todos por este motivo ainda existem pessoas que preferem palavras doces e falsas, “meias palavras” que te dão meios entendimentos ao invés de ouvir a verdade ou a opinião nua e crua, sem restrições, talvez por isso eu seja amada e odiada por todos na mesma  proporção.

Como diz Fernando Pessoa :

Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes,
Mas não esqueço de que minha vida
É a maior empresa do mundo…
E que posso evitar que ela vá à falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver
Apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e
Se tornar um autor da própria história…
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar
Um oásis no recôndito da sua alma…
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um “Não”!!!
É ter segurança para receber uma crítica,
Mesmo que injusta…

Entre os professores tive o privilegio de conhecer um que poderia ser meu filho, estudioso, sabia ouvir nossos questionamentos, usava de empatia, utilizava sua vivencia para ilustrar melhor sua matéria, tinha amor em repassar os conteúdos, porém era muito jovem e os demais “jovens” (não generalizando, mas digo 90%) não souberam dar seu devido respeito e perderam de agregar muito conhecimento, principalmente porque suas aulas eram as sextas feiras.
Na verdade, no quinto ano ninguém tem mais saco pra mais nada, porque nosso maior foco esta no exame da ordem a tão sonhada carteirinha da OAB, e o que esperávamos era ter aulas que nos ajudassem a ter maior noção quanto as 80 perguntas e não ter aula de filosofia, linguagem e escrita, interpretação de texto, isso foi frustrante, como os professores (na maioria) não fazem chamada, as aulas contavam com 30% dos alunos, ainda mais depois que aprendemos que o nome no livro de chamada só aparece após pagar a rematrícula, rsrsr parece brincadeira mas pra tudo tem jeito neste mundo, como a instituição não tem catraca nem tão pouco uma segurança para evitar a entrada dos não pagantes ficava fácil a maioria burlar e só comparecer na semana de provas, nem aí se o MEC exigia percentuais de comparecimento, bom, mas voltando as aulas, estávamos correndo atrás do projeto e do TCC  estavam batendo na porta, e claro, como todo bom brasileiro deixamos pra ultima hora, porque com emoção é muito melhor.
Então é chegada a hora para registrarmos a nossa tão esperada formatura,  e a nossa comissão de formatura  foi demais, não nos deixou na mão, diferentemente da nossa faculdade que não nos disponibilizou uma única sala para tirarmos foto, a Comissão arrumou um lugar com estrutura maravilhosa recebemos todo o apoio, foi um momento mágico, todos com os olhos brilhando cheio de lágrimas, e olha que ainda faltam 6 meses de labuta,  mas já deu pra sentir que a nossa formatura será , especial, todos colaboraram, claro, existe as diferenças e digo que graças a Deus existe as diferenças mas existe acima de tudo o respeito e a vontade de acabar logo este desafio que está acabando com as nossas vidas.
Falando em pedras, foram tantas que apareceram ao longo desta caminhada, pedras com nome e sobrenome, cascalhos, entulhos, estorvos e quando você pensa que já apareceram de tudo, ainda tem o último semestre , mas para nos mostrar que :

Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo…”

Vida que segue, contudo, aprendi que os momentos vividos ficarão eternizados na memória, o conhecimento adquirido jamais nos serão roubados os  erros valeram como aprendizado e os amigos serão para sempre.

         Aos amigos deixo o poema de Vinicius de Moraes

Um dia a maioria de nós irá se separar. Sentiremos saudades de todas as conversas jogadas fora, as descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos, dos tantos risos e momentos que compartilhamos...

Saudades até dos momentos de lágrima, da angústia, das vésperas de finais de semana, de finais de ano, enfim... do companheirismo vivido... Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre...

Hoje não tenho mais tanta certeza disso. Em breve cada um vai pra seu lado, seja pelo destino, ou por algum desentendimento, segue a sua vida, talvez continuemos a nos encontrar, quem sabe... nos e-mails trocados...

Podemos nos telefonar... conversar algumas bobagens. Aí os dias vão passar... meses... anos... até este contato tornar-se cada vez mais raro. Vamos nos perder no tempo...

Um dia nossos filhos verão aquelas fotografias e perguntarão: Quem são aquelas pessoas? Diremos que eram nossos amigos. E... isso vai doer tanto!!! Foram meus amigos, foi com eles que vivi os melhores anos de minha vida!

A saudade vai apertar bem dentro do peito. Vai dar uma vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente... Quando o nosso grupo estiver incompleto... nos reuniremos para um último adeus de um amigo. E entre lágrima nos abraçaremos...

Faremos promessas de nos encontrar mais vezes daquele dia em diante. Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a sua vidinha isolada do passado... E nos perderemos no tempo...

Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo: não deixes que a vida passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a causa de grandes tempestades...


Gratidão aos alunos do curso de Direito 2014/2018 – ISULPAR

Desejo sucesso a todos de coração, a conquista de cada um será a minha também.
Gratidão especial ao Clube dos onze (Eu, Carol, Juli, Lethi, Mariflor, Gil,Luana, Grasi, Elcio, Joani e Tate que entrou no quarto ano) que conseguimos a nobre arte de conviver em grupo, segurar a ponta de um e de outro quando a vontade de esmorecer surgia, o apoio foi total, inclusive da mãe da Carol que sem ela, garanto muito coisa seria muito difícil. Acho que ela deveria ser a “membra nº 12”

As lágrimas já começaram a rolar e não consigo mais escrever.

Saudade é a palavra.

Valeu amados.

Paranaguá, 11 de julho de 2018.

Adriana Ramos Trochmann.